top of page

Um dia normal

  • Foto do escritor: Convidados
    Convidados
  • há 13 minutos
  • 2 min de leitura

Arte: Habner Matheus
Arte: Habner Matheus

A rotina começa antes mesmo de o corpo despertar por completo. O alarme toca, e o primeiro reflexo é estender a mão para o celular, não para desligá-lo, mas para ver as notificações que se acumularam durante a noite. O que os outros postaram, quem respondeu, o que “bombou”. Ainda deitada, a pessoa já começa o dia comparando o próprio ritmo ao dos outros.

Depois do banho, vem o ritual de beleza. Cada etapa tem um motivo, uma promessa de: pele hidratada, cabelo alinhado, aparência descansada, mesmo que o descanso nunca seja pleno. A maquiagem é feita não apenas para si, mas para o espelho do mundo digital, que mais tarde cobrará presença em stories e reuniões. Antes de sair, uma selfie, o filtro certo, a legenda pensada e a música que traz um certo acalento.

No meio da manhã, há o horário reservado para o procedimento estético, uma limpeza de pele, aplicação de Botox ou drenagem linfática, pequenas intervenções que prometem harmonia, mas que também alimentam o imperativo de estar sempre em conformidade com o padrão imposto pelas telas.


ree

Na academia, o treino serve tanto para o corpo quanto para o feed. O esforço é gravado, o suor é moldado em ângulos. Cada repetição é medida em curtidas imaginárias. E enquanto o corpo real sente dor e cansaço, a tela mostra o influencer com o corpo perfeito, que treina, trabalha, sorri e nunca parece se cansar uma vida de performance sem pausa, que te faz duvidar da sua própria, e logico, sem esquecer os suplementos.

O trabalho é como um rolo compressor e, com ele, a enxurrada de tarefas e interações. Reuniões, prazos, conversas com colegas e clientes, tudo misturado à necessidade quase compulsiva de estar “presente” nas redes. O celular vibra, chama, exige, precisa da resposta imediata. É preciso postar, estar feliz, mostrar produtividade e entusiasmo. O dia se passa entre telas e expressões treinadas.

À tarde, a energia já declina, mas o roteiro continua. Mais notificações, mais expectativas, mais comparações. E mesmo quando o corpo pede pausa, a mente continua girando na engrenagem das redes: o que devo postar agora? O que os outros estão fazendo? Será que pareço suficientemente interessante, saudável, feliz?

ree

À noite, finalmente, o silêncio. Mas ele não é pleno: há o eco de tudo o que foi visto e feito. O corpo está cansado, mas a mente inquieta, como se tivesse passado o dia obedecendo a ordens invisíveis. A exaustão não vem apenas do trabalho, mas da constante necessidade de performar e de ser produtivo, bonito, presente, relevante.

Deitar, enfim, é um alívio breve. Antes de dormir, o celular mais uma vez. Uma rolagem final, uma promessa de “amanhã será diferente”. E o ciclo recomeça, basta deslizar a tela, ver o feed, postar, ser feliz...

Artigo: Michelle Lourenceto

 
 
 

Comentários


  • Pinterest - Círculo Branco
  • Branca ícone do YouTube
  • Facebook - Círculo Branco
  • Branca Ícone Instagram
bottom of page