O dia em que percebi que meus pais estavam envelhecendo
- Convidados

- 17 de out.
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Se pararmos para analisar, temos no máximo entre dez a doze Dias dos Pais e das Mães na escola, umas dez apresentações de final de ano e cerca de dez Natais nos quais ainda acreditamos no Papai Noel. De repente, a fada do dente não vem mais, as pegadas do coelhinho da Páscoa sumiram. Quando somos crianças, temos a sensação de que essas coisas são imutáveis, de que sempre será assim. Não imaginamos como é a vida sem as histórias antes de dormir, sem tomar chá da tarde com nossas bonecas, sem os almoços com todos os integrantes da família reunidos, sem poder correr para o quarto dos nossos pais de madrugada. Tudo isso parece tão sólido e eterno; crescer parecia tão distante.
Mas, de repente, a gente cresce. Os almoços não são mais juntos, no Natal não queremos mais saber do Papai Noel, não precisamos mais de histórias para dormir. Pelo contrário, queremos nossa individualidade, temos nossos próprios programas, não queremos jantar com nossos pais, queremos sair com nossos amigos. No Ano Novo, não gostamos mais de ir para a praia todos juntos, preferimos viajar com os amigos. O que eu diria que é completamente normal, faz parte do ciclo da vida. A gente cresceu, temos nossas próprias vidas, somos adultos. É o esperado e natural da vida, afinal, sempre ouvimos que fomos criados para o mundo.
No entanto, enquanto estamos conquistando o mundo, o tempo passa para todos, inclusive para nossos pais. Enquanto estamos nos descobrindo, quebrando a cara, negando conselhos porque a juventude nos faz crer que somos invencíveis, o tempo está passando. De repente, os encontros que antes eram rotina agora requerem programação, afinal, somos todos adultos com nossas próprias agendas.

E, no meio desse processo, por mais natural que seja, um dia eu percebi: meus pais estavam envelhecendo. Em um dia corriqueiro, vi minha mãe passando creme para rugas e pintando o cabelo; meu pai, que corria 21 km, hoje em dia corre 15 km; minha mãe se preocupa mais com a flacidez da pele; meu pai toma mais remédios do que antigamente e sua barba está levemente esbranquiçada.
E foi então, em um dia normal da minha rotina, que eu notei: o tempo não tinha passado só para mim. Enquanto eu enfrentava a exorbitante adolescência e entrava na vida adulta, o tempo também tinha passado para meus pais.
Quem diria? A adolescente de quinze anos jamais suspeitaria; eu acreditava que o tempo passava só para mim, pensava que meus pais estavam congelados, parecia que só eu estava crescendo e mudando, que o mundo ao meu redor permanecia igual, intocado.
No entanto, hoje consigo perceber que meus pais não cresceram em altura como eu, mas todos nós passamos pelos efeitos do relógio girando. Nossas conversas são de igual para igual. Somos todos adultos conversando. Nossas pautas não são mais sobre brinquedos ou permissão para sair; falamos sobre imóveis, impostos, refletimos sobre os próximos passos do meu futuro profissional, analisamos a vida por um prisma mais igualitário.

Confesso que, quando essa realidade me atingiu, foi uma sensação esquisita. Por um momento, senti que fui egoísta em relação ao nosso tempo, que antes acreditava ser só meu. Logo em seguida, fui confrontada por a sensação de correr contra o relógio; queria que o tempo parasse, queria voltar a brincar de boneca sob os olhares dos meus pais, queria que os cabelos brancos deles dessem trégua.
Mas depois percebi: o dia em que descobri que meus pais estavam envelhecendo nos aproximou. Eu valorizo mais nossos encontros, os escuto mais, consigo entendê-los. Passei a enxergá-los com a clareza que eu não tinha. Entendi que eles não são perfeitos. Essa percepção me trouxe uma nova dimensão de respeito e carinho, pois vejo agora o esforço silencioso por trás de cada decisão, cada conselho, cada gesto de amor imperfeito. O tempo, que antes parecia um inimigo que nos afastava, na verdade nos uniu em uma amizade verdadeira, feita de conversas abertas, discussões sobre a vida, sonhos e desafios. Somos parceiros de jornada, construindo juntos um laço que vai muito além do tempo, somos cúmplices nessa aventura chamada vida.
E finalmente compreendi que o tempo não passa só para mim, ele é partilhado. De fato, somos criados para o mundo, mas nossas raízes permanecem. E, mesmo enquanto o mundo me chama, minhas raízes continuam sendo eles, meus pais. Nenhuma passagem de ponteiro pode mudar isso.
Artigo: Glória Maria Almeida Farracha de Castro







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