O fenômeno da chatgepetização: uma reflexão sobre a nossa nova rotina mental
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- 13 de nov.
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No fim de 2022, o mundo assistiu com espanto à popularização do ChatGPT, uma ferramenta capaz de produzir textos, códigos e ideias em segundos. Nos meses seguintes, assistentes de IA passaram a redigir e-mails, sugerir atividades de estudo, organizar agendas e até aconselhar sobre relações pessoais.
A princípio, essa “magia” causou euforia, era como se pudéssemos terceirizar tarefas repetitivas e ganhar tempo para atividades criativas. No entanto, conforme a novidade se tornou habitual, surgiu um fenômeno que chamo: de “ChatGepetização”, uma espécie de “auto piloto cognitivo” em que delegamos à máquina não apenas o trabalho operacional, mas também a parte criativa e reflexiva que antes era nossa.
O termo é irônico e provocativo. Evoca a lembrança de Pinóquio, o boneco que queria ser menino de verdade, e remete ao fato de que nossas perguntas e decisões se transformam em marionetes de algoritmos.
Quem nunca se pegou recorrendo ao ChatGPT para escrever um texto escolar, planejar uma viagem ou resolver um conflito amoroso? Em ambientes de trabalho, a tentação é ainda maior: por que dedicar horas pesquisando e estruturando um relatório quando uma IA pode gerar um rascunho em minutos? Nas universidades, alunos pedem explicações prontas em vez de ler a bibliografia; em casa, pais consultam “gurus virtuais” para criar rotinas para os filhos.
A comodidade é real, mas é precisamente aí que mora o perigo: quando a facilidade vira dependência, nossa autonomia intelectual pode atrofiar.
Esse movimento não significa que as pessoas ficaram “burras” de repente. Ele revela algo mais sutil: a ausência de esforço voluntário para organizar um pensamento.
Ceder sempre às respostas prontas nos poupa da frustração de pesquisar, confrontar ideias contraditórias e encontrar soluções originais. A mente, que antes se exercitava ao articular argumentos ou imaginar caminhos, passa a se acomodar.

É como se estivéssemos terceirizando nossos próprios neurônios, vivendo a ilusão de que o difícil é desnecessário. Com o tempo, a sensação de competência diminui, surge um sentimento de “não saber fazer”, e a busca por ajuda externa se torna automática.
A criatividade, que é filha da curiosidade e do risco, perde terreno para modelos preditivos que apenas recombinam o que já existe.
No ambiente escolar, a “ChatGepetização” pode empobrecer o processo de aprendizagem. Professores relatam que certos estudantes se contentam com resumos gerados por IA, sem experimentar a pesquisa bibliográfica, a análise crítica ou a escrita autoral. Aquele velho prazer de virar páginas, sublinhar passagens e rabiscar ao lado de um parágrafo dá lugar ao clique que entrega a resposta “certa” em segundos. Com isso, o erro deixa de ser visto como parte do caminho e passa a ser evitado a todo custo; a reflexão se reduz a reproduzir a resposta gerada.
A longo prazo, essa postura gera inquietação: se não formamos nossa própria voz, como desenvolver juízo crítico? Como escolher uma fonte de informação confiável? Como argumentar e escutar quando não aprendemos a duvidar?
No trabalho, a linha entre produtividade e alienação também é tênue. Ferramentas de IA ajudam a automatizar tarefas, liberando tempo para atividades mais estratégicas. Mas, se não cultivarmos o hábito de entender o que a máquina faz – de conferir, corrigir, adaptar – corremos o risco de repetir erros gerados por algoritmos ou de endossar conclusões precipitadas. Há áreas em que a precisão é vital: direito, medicina e finanças. Em todas elas, a inteligência artificial é uma aliada poderosa, mas não deve ser soberana. A responsabilidade pelas decisões continua sendo humana. Usar a IA como referência e não como juiz é um aprendizado urgente.
No âmbito pessoal, a “ChatGepetização” toca sonhos e projetos de vida. Há quem recorra à IA para escolher presente de aniversário, decidir qual carreira seguir ou planejar férias. Essa delegação pode aliviar a ansiedade, mas também pode transferir a responsabilidade de escolhas importantes. Sonhos prontos perdem o charme do improviso, e projetos pensados por algoritmos podem não levar em conta nuances que só nós percebemos.
As máquinas não têm memória afetiva; elas não sabem o que significa abrir um livro que mudou nossa vida ou ouvir um conselho de alguém querido. Elas podem, no máximo, simular empatia com base em padrões linguísticos.

Reconhecer a “ChatGepetização” é o primeiro passo para equilibrar o uso das IA’s. Isso não implica abandonar a tecnologia, mas redefinir nosso papel no processo.
A máquina pode sugerir, mas quem escolhe somos nós.
A IA pode rascunhar, mas o toque final é humano.
Precisamos reaprender a valorizar o tempo investido em reflexão, assim como valorizamos o tempo economizado pela automação. Exercitar o pensamento crítico, a criatividade e a empatia continuam sendo insubstituíveis. Para isso, é saudável estipular momentos em que desligamos as telas e nos dedicamos a conversas, leituras, observação da natureza ou qualquer atividade que estimule a imaginação.
O fenômeno da “ChatGepetização” revela que estamos em transição. A inteligência artificial é parte do cotidiano, e quem souber usá-la com consciência terá vantagem. Ignorá-la é perder oportunidades de aprendizagem, eficiência e inovação. Mas entregar-lhe o volante pode nos deixar à deriva. Na prática, isso significa tratar a IA como ferramenta, não como líder: perguntar e, ao receber a resposta, fazer novas perguntas; adaptar as sugestões ao contexto e não as aceitar de maneira acrítica.
Significa também preservar espaços para o incômodo intelectual que faz crescer, aquele momento em que a ideia não vem de imediato e, justamente por isso, nos leva a caminhos inesperados.
A história da humanidade mostra que, cada vez que surge uma nova tecnologia, escutamos o mesmo discurso apocalíptico: o livro ia acabar com a memória oral, a calculadora ia acabar com a matemática, a internet ia acabar com a vida social.
Nada disso aconteceu.
Ao invés de extinguir habilidades, cada avanço as reorganizou. O mesmo vale para a inteligência artificial. Em vez de lamentar a “ChatGepetização”, podemos transformá-la em oportunidade: deixar que as máquinas cuidem do “chão de fábrica” mental enquanto preservamos aquilo que nos faz humanos – a capacidade de imaginar, de sentir, de sonhar e de nos relacionar com outros. Afinal, a grande revolução não está na tecnologia que criamos, mas na forma como a usamos para (re)criar a nós mesmos.
Artigo: Thiago Giannini







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