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Foto do escritorDaniela Amaral

Espero que seja apenas um ensaio

Atualizado: 29 de jul. de 2022



A Pandemia, esse assunto discutido inúmeras vezes e tão desagradável, que insiste em bater à nossa porta sem ao menos ser convidado. Mas, já que é para falar desse assunto, que seja através da literatura.


No final da década de 90, quando comecei a minha carreira no ramo livreiro, me vi rodeada por autores consagrados, novatos e anônimos, como Monteiro Lobato, Tolkien, Ana Clara Machado, entre tantos outros.


A vida era simples, não tínhamos smartphones, nem redes sociais e por isso éramos capazes de formar nossas próprias opiniões. Criávamos nossas teorias, discutíamos de forma pacífica nossas ideias, nossos pensamentos e anseios, não temíamos o risco do cancelamento. No máximo, você podia ser mal visto se te pegassem lendo um Paulo Coelho ou um romance meloso de Danielle Steel. As torres gêmeas ainda eram o símbolo do poder econômico dos Estados Unidos e o Brasil já era o que é hoje, uma desordem, porém, um pouco mais organizada.


Nessa época, eu ainda estava em um processo de conhecimento e aprendizagem, foi quando me apresentaram um senhor português de escrita rebuscada, sem muita finesse, com um talento único, capaz de prender e surpreender até os leitores menos fervorosos. Para quem tinha acabado de ler Harry Potter e a Pedra Filosofal, ler esse senhor polêmico, seria algo diferente, algo como desbravar novas terras, rumo ao desconhecido. Mal eu sabia que traria Saramago para minha vida, pois, vivendo em tempos de pandemia, ele se torna cada vez mais presente em meus pensamentos e lembro constantemente de sua obra “Ensaio Sobre a Cegueira".


O enredo do livro se passa em um período no qual a população é acometida por uma pandemia, que a leva a uma cegueira branca, sem nenhuma causa aparente. Despreparados para o que viria a acontecer, em pouco tempo o caos se instaura na sociedade, derrubando a moral, a ética e qualquer tipo de empatia ao próximo. Não há mais governo, leis e muito menos ordem, tudo o que conhecemos passa a ser uma lembrança distante, diante das atrocidades vivenciadas no desespero da obscuridade. Em 1995, quando foi lançado o livro, Saramago já era rotulado como um crítico severo da sociedade e mostrava no livro uma face triste do homem, um ser egoísta e predador, que possui a capacidade de se reorganizar no meio em que vive, transformando tudo ao seu redor em uma batalha de poder.


É no mínimo assustador, imaginar no que o ser humano é capaz de se transformar, para manter a sua pirâmide de necessidades, aquela idealizada por Maslow, em que a base é composta pelas necessidades básicas, fisiológicas e segurança, seguido de relacionamento, estima e autorrealização. Chegará o momento em que a pirâmide será desconstruída, deixando as necessidades fisiológicas ainda na base, seguida da segurança e eliminando o relacionamento e a estima? E que o sucesso de cada indivíduo será apenas sobrevivência?


De todo modo, ainda acredito que o bem vence o mal, e que esse período apocalíptico seja para nós uma grande lição de solidariedade, amor e consciência, em que nos tornemos seres mais generosos. Pois, quando se chega ao nível em que o dinheiro não é mais capaz de pagar pela sua paz, é porque já estamos à beira da completa cegueira. Pois, segundo Saramago, “O difícil não é ter que viver com as pessoas, o difícil é compreendê-las”.




1 comentario


maikon_bonetti
02 abr 2021

Bela reflexão... também acredito que no final o bem sempre vence o mal ... e que podemos tirar muito aprendizado desse momento em que vivemos.

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