A menina na janela via a vida passar como quem assistia a uma telenovela. Nada lhe escapava aos olhos curiosos e atentos. Sabia quem era casado com quem, quem era amante de quem e de quem dependia a felicidade de quem.
Enxergava o mundo com os olhos curiosos e com a alma cega. Pois, na existência em que vivia, deixava de experienciar sua própria história, acreditando que o mocinho da sua novela um dia viria lhe salvar da sua sina tão cruel que só podia ter sido roteirizado por algum autor amargurado sem um pingo de empatia. Tinha certeza que um dia as mentiras seriam reveladas, os vilões desmascarados e, finalmente, os personagens que tanto espiava teriam o seu devido destino traçado, e ela sairia da sua masmorra: a janela.
Mas, sendo o tempo um carcereiro tão eficaz e impiedoso, acabou por transformar a menina, que um dia fora feita de inocência, em uma moça que continuava debruçada à beira da janela, sonhando em viver a vida das telenovelas. Com isso, prosseguiu com seus desatinos sem se afastar do quadrado do qual via o mundo e, no decorrer dos anos, tudo o que lhe restou era lamentar suas dores e seus possíveis amores não vividos.
Aprendeu a devorar a solidão com um apetite voraz e a transformou em sua amiga mais íntima. O vazio que podia haver dentro dela era preenchido por amargura, rancor, inveja, ressentimento e desamor. Ah, como aquilo tudo alimentava a sua alma. Nesse algoritmo de sentimentos, produzia-se em seu íntimo um eco que gritava e exasperava por liberdade e foi assim que ela chegou à meia idade.
A quarentona agora se apoiava sobre os braços cansados, sentindo o peso dos anos e os efeitos do tempo carrasco. Ela não se reconhecia mais. Isso a fez desistir de ser a protagonista do seu próprio enredo. Já julgava não haver mais tempo para ela. Agora, uma senhora de cabelos brancos, olhar vazio e cansado continuava naquela mesma janela que, mesmo sempre aberta, a trancafiou. A mulher sabia que deveria ter pulado para o lado de fora e ido em busca da tal idealizada felicidade. Que deveria ter experimentado a vida com o direito de sentir cada sentimento da fragilidade humana composta de amor, alegria, tristeza e dor, pois só assim poderia ter sido a mocinha da sua própria história.
No entanto, tudo o que de fato fez foi assistir à Vida passar, sonhando, fofocando e amaldiçoando a tudo e a todos de dentro da prisão que ela mesma construíra. Seu destino traçado foi nunca ter vivido a cena em que corria feliz pela praia de mãos dadas com o mocinho do seu folhetim. Ela se contentou em encerrar a sua vida dizendo a última palavra que encerraria o seu roteiro: Fim.
Daniela Amaral
Sobre a autora: https://instagram.com/dani.row.1975?igshid=YmMyMTA2M2Y=
Revisão e colaboração: Jhenyfer Nareski
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