
Rogério Sganzerla (1946-2009) foi um crítico e cineasta catarinense associado ao Cinema Novo brasileiro. Iniciou sua produção cinematográfica na década de 1960 e se destacou como uma figura importante na produção independente brasileira. Casado com a atriz Helena Ignez, o casal precisou deixar o Brasil durante o período da ditadura militar.
No início dos anos 1980, retornaram ao país e lançaram filmes como O Abismo e Nem Tudo é Verdade. Sua obra mais famosa é O Bandido da Luz Vermelha, que produziu aos 22 anos. Ao romper com os paradigmas da época, desafiando a produção cinematográfica vigente, como as chanchadas, e inspirado em movimentos como a Nouvelle Vague e o Cinema Novo alemão da Europa, Sganzerla produziu obras que buscaram romper com os cânones da sétima arte e da própria construção de uma identidade brasileira que vinha sendo produzida nos filmes da época.
Como crítico, Rogério Sganzerla, em seu texto O Cinema Impuro, organiza e explicita diferentes tipos de cinema, antes de iniciar sua própria produção cinematográfica. Entende o cinema como essa sétima arte, ao nível da pintura e da literatura, mas também que o audiovisual tem o poder de mesclar formas e conteúdos. O crítico faz uma análise reflexiva da pureza do cinema e, ao mesmo tempo, construiu um plano de fundo para que ele mesmo, em contato com as produções europeias da época, tivesse um pensamento cinematográfico que conseguia romper com os cânones ao conhecê-los. Buscando estabelecer uma ponte entre o leitor e o cinema, pode-se dizer que O Cinema Impuro é um manual de instruções sobre gêneros cinematográficos ocidental ao explicitar e explicar como eles se operam e se constroem dentro de um filme.
Esse contato com o conhecimento cinematográfico clássico e moderno de Sganzerla foi de certa forma crucial para a produção do diretor e crítico, que construiu sua autoralidade na perspectiva de entender e absorver o que considerava de melhor em cada diretor, gênero e filme. E assim, ele teve conhecimento suficiente para criar uma ruptura que fizesse sentido dentro do cinema brasileiro.

Outro texto importante é o manifesto publicado em 1968, intitulado “O Cinema Fora da Lei”, escrito por Sganzerla enquanto produzia O Bandido da Luz Vermelha. Nesse manifesto, ele defende a fusão de gêneros em seu filme e argumenta que a produção cinematográfica não deve ser vista como algo único e estético, pois a vivência do autor influencia diretamente a criação do filme. No texto, afirma:
Quis fazer um painel sobre a sociedade delirante, ameaçada por um criminoso solitário. Quis dar esse salto porque entendo que tinha que filmar o possível e o impossível num país subdesenvolvido. Meus personagens são, todos eles, inutilmente boçais – aliás como 80% do cinema brasileiro. (Sganzerla, 1968)
Colocando-se em um lugar de defesa do que é o cinema, e também entendendo como isso se opera dentro da própria produção brasileira, essa mistura e intersecção global, que se influencia e promove a partir de diversos gêneros, culminam na carreira do diretor que conseguiu produzir, apesar das fortes influências, uma autoridade baseada na opinião política e na subversão do sistema.

Em uma inquietude de querer experimentar tudo, o filme A Mulher de Todos, produzido pelo diretor em 1969 e dedicado a experimentação, explora temas como sexo e libertinagem. A obra mistura o caos da inquietação com os pensamentos da direção. Embora o filme critique a ditadura, ele também perpetua os estigmas e preconceitos da época, tornando-se, assim, desconfortável e impressionante ao confrontar a realidade brasileira dos anos 1960. Isso porque esse cinema da retomada foi marcado pela problemática fabulação e figuração das minorias como alteridade, objetos do olhar e do discurso dos cineastas homens, brancos e de classe média – o que acaba se perpetuando na obra de Sganzerla.
O filme debocha da hipocrisia das classes conservadoras, flexionando para uma análise de personagens que estão em constante conflito e clamam por identidade e por se encontrarem no mundo. A todo momento, a personagem de Ângela parece querer reiterar sua própria identidade, afirmando seu amor por boçais, transgredindo as amarras, representando tudo que deve ser proibido e visto como corrompido aos olhos da época. Essa falta de sistematização, beirando a caoticidade, cria um cinema autêntico, feito por um cineasta que buscava expressar em seus filmes a falsa moral, o egoísmo e o desejo coletivo daqueles que buscam a revolta contra o Brasil de fachadas conservadoras e moralistas.
Artigo: Julia Oliveira
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