Glória Farracha de Castro
Recentemente o Brasil deparou-se com a desumana história de uma menina de apenas 10 anos, que, em decorrência de um estupro, engravidou de seu tio. Segundo o jornal O Globo, a criança era abusada desde os seis anos de idade. E, com autorização judicial, foi possível a realização do aborto. A história ganhou mais notoriedade após um grupo de fanáticos religiosos protestarem contra o ato em frente ao hospital, inclusive denominando uma criança que foi abusada de assassina.
Acredito como convicção pessoal, que em qualquer religião ou em qualquer relação com o transcendente, Deus deveria ser amor, bondade e empatia. E, para os religiosos fanáticos, que gritavam ser “pró-vida”, eu duvido muito que o seu Deus compactue com essa crueldade. Acredito que ser pró vida é pensar no próximo, ter empatia, doar sangue, praticar atos de caridade.
Sendo assim, a questão da legalização do aborto, é uma pauta que deve ser tratada como questão de saúde pública e o poder de escolha da mulher. Deixando de lado os fatores religiosos, eles não devem influenciar essa discussão. Afinal, vivemos em um Estado laico. O aborto mesmo proibido, é realizado por muitas mulheres, e nesse tópico se faz presente o fator condição financeira. Ou seja, mulheres com maior poder aquisitivo conseguem fazer um aborto clandestino com melhores condições. Já para as mulheres com menor poder aquisitivo (a grande maioria), muitas vezes a tentativa de tal ato resulta em sua morte.
Vamos atentar aos fatos: a prática do aborto, mesmo que ilegal, na maioria dos casos, já existe. É uma realidade. A legalização de tal ato, além de fornecer os meios seguros e saudáveis para a realização, dará a oportunidade de escolha para as mulheres. É muito simples, se você por qualquer que seja sua convicção, não compactua com o aborto, é um direito seu. Mas não deveria se sobrepor a aquelas mulheres que desejam tal prática. Toda mulher deveria ter o poder da escolha, não cabe ao Estado legislar sobre nossos próprios corpos.
Não obstante, devemos observar que a mulher não possui uma opção, já o homem sim, o abandono parental. Provocando uma legião de mães solteiras e deixando evidente que a proibição do aborto é mais uma das imposições machistas da nossa sociedade patriarcal. Segundo o IBGE, entre 2005 e 2015, o número de famílias compostas por mães solo aumentou de 10,5 milhões para 11,6 milhões. E, além desse fato, 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai no registro de nascimento.
Além disso, existem aqueles que apoiam seus discursos contra o aborto dizendo que é só uma simples questão de usar métodos contraceptivos. Entretanto, são inúmeros os casos de gravidez mesmo a mulher possuindo DIU, sem contar que mesmo o método mais famoso, popularmente conhecido como a camisinha, sabemos que não é 100% seguro, é falho. E mesmo diante desses fatos, há quem diga em pleno século XXI “que só engravida quem quer”.
Por todos esses fatos e dados, ainda me surpreende que estejamos lutando pela legalização do aborto. Para mim, como mulher e além de tudo, ser humano dotado do poder de raciocinar, é evidente que a prática do aborto deve ser tratada como uma pauta de saúde pública, onde a mulher tem o poder da escolha. Como dito antes, o aborto mesmo proibido já é uma prática. A legalização não será o motivo do ato, isso já ocorre, mas proporcionará que as mulheres que desejam abortar recebam o tratamento médico seguro e necessário.
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